Perspectivas para 2021
Por Pe. Ms. José Rinaldo da S. Trajano
O ano de 2020 ficará marcado na história da humanidade com a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciando ao mundo a pandemia para a Covid-19, infecção causada pelo novo coronavírus, surgido em Wuhan, cidade chinesa com 11 milhões de habitantes. Pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença. O termo é utilizado quando uma epidemia – grande surto que afeta uma região – se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
A última vez que lidamos com uma pandemia tão misteriosa, incontida e de longo alcance foi em 1918, quando o vírus influenza da gripe devastou populações em todo o mundo. Segundo dados da Fiocruz, a gripe de 1918 matou de 50 a 100 milhões de pessoas até 1919. Os números de óbitos são muito mais superlativos, mas existem paralelos assustadores entre a gripe de 1918 e a pandemia de Covid-19 de 2020: uma doença com uma gama surpreendente de sintomas para os quais há pouco tratamento, o comportamento humano como um obstáculo à saúde pública e surtos que se espalharam, para citar alguns.
Por 102 anos, estudiosos do vírus influenza e especialistas em doenças infecciosas tentaram educar as massas na esperança de prevenir futuras pandemias. E, no entanto, aqui estamos. O coronavírus responsável pela atual pandemia não é um vírus de gripe. Mesmo assim, as pandemias de 1918 e 2020 compartilham semelhanças em termos de sua base em um vírus novo que abalou o mundo e todos os aspectos da sociedade. 2020 foi um ano de grandes mudanças, sociais e econômicas que revolucionaram o mundo do trabalho, acentuando profundamente também a formação e as relações interpessoais. Pela primeira vez, o distanciamento “forçado” foi experimentado, a escola mudou sua cara, aprendendo, por sua vez, o ensino remoto, enquanto os funcionários começaram a trazer para casa não apenas o trabalho, mas todo o escritório, por meio do home-office. O início foi complicado, houve dificuldades de rede, equipamentos inadequados e a adaptação a uma nova vida que ninguém havia pensado, exceto em cenários de ficção científica.
Na catequese de 26 de agosto do ano corrente, o Papa Francisco, na praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, disse: “...A pandemia pôs em evidência e agravou os problemas sociais, especialmente a desigualdade. Alguns podem trabalhar de casa, enquanto para muitos outros isto é impossível. Algumas crianças, apesar das dificuldades, podem continuar a receber uma educação escolar, enquanto para muitas outras houve uma brusca interrupção. Algumas nações poderosas podem emitir moeda para enfrentar a emergência, enquanto que para outras isso significaria hipotecar o futuro...”. O papa continua dizendo: “perante a pandemia e as suas consequências sociais, muitos correm o risco de perder a esperança. Neste tempo de incerteza e angústia, convido todos a aceitarem o dom da esperança que vem de Cristo. É Ele que nos ajuda a navegar nas águas tumultuosas da doença, da morte e da injustiça, que não têm a última palavra sobre o nosso destino final”.
No documento conciliar Gaudium et spes do Concílio Vaticano II (1962-1965) nos guia a um caminho de fé, amor e esperança para a transformação do mundo. Quando o papa nos motiva com a certeza do dom da esperança, Deus nos enche de perspectivas para 2021. O desejo de voltarmos a nossa normalidade, que tanto almejamos. Nossa expectativa é alimenta sobretudo pela comunidade internacional científica que busca uma vacina, para combater a Covid-19. Embora existam algumas vacinas em estágio avançado, o horizonte para um programa de vacinação em massa parece distante. Por enquanto, nações ainda sofrem o cenário de repiques da contaminação desordenada com a chamada “segunda onda”, que evidencia a fragilidade e a falta de conhecimento preciso sobre o vírus, suas mutações e a incidência de novos casos.
De modo geral, o retorno ao cotidiano torna-se um readequar à dita “nova normalidade”. O ano de 2020 levou o mundo a uma crise profunda na saúde pública: nações ricas e pobres padecem com a pandemia, mas é inegável que países marcados pela desigualdade estrutural padecem de forma mais dolorosa as consequências da crise. Espera-se que a retomada da economia seja lenta, porém gradativa, o que dependerá, em grande parte, da capacidade em controlar a crise sanitária. A ilusão de um retorno linear e homogêneo, obscurece a elaboração de iniciativas propositivas, que atenda com profetismo grupos que neste momento, estão especialmente vulnerabilizados pela pandemia do Covid-19.
A “nova-novidade” estará se tornando a norma e nos próximos três anos poderá se tornar a prática do dia-a-dia da população mundial. E, a partir dessa realidade sabemos que a modalidade de viver terá uma nova face. Diante deste cenário complexo, é importante manter a consciência racional da gravidade, sem perder a esperança, com “os olhos fixos no Senhor” (Hb 12,2).
Respeitar o isolamento social, as medidas de higiene, as normas sanitárias e o cuidado com o outro é sinal profundo de amor à humanidade, sem o qual não podemos amar ao próprio Deus. Com o auxílio precioso das tecnologias, podemos nos manter em conecção com a realidade, mas também com as artes, a cultura, o diálogo fraterno e familiar, para termos um equilíbrio mental durante estes tempos. A vida religiosa também precisa reavivar o seu vigor, participando das celebrações Eucarísticas, terços, novenas, cerco de jericó etc., por meio da Internet. Entretanto, tudo isso precisa ter como eixo principal a caridade e a solidariedade com os mais pobres e aqueles que nada possuem, a quem estes momentos são mais dolorosos e sofridos.
Por fim, que as perspectivas para 2021 tenha a espiritualidade a renovar a nossa força e o nosso compromisso com o bem de todos e a superação deste momento desafiador. A espiritualidade é o combustível que nos faz mover dentro desta crise de saúde social, econômica, ecológica e humanitária. Seja um ano novo de revermos nosso relacionamento com Deus, de crer nele, mesmo diante das muitas cruzes que a pandemia tem feito cada um de nós carregar sobre os ombros.